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CAPA

PONTO DE PARTIDA (pág. 1)
Bráulio Luna Filho - Presidente do Cremesp


ENTREVISTA (pág. 4)
Kátia Maia - diretora da Oxfam Brasil


CRÔNICA (pág. 10)
Lusa Silvestre*


ESPECIAL (pág. 12)
Médico humanista - Aureliano Biancarelli


SINTONIA (pág. 19)
Medicina translacional


EM FOCO (pág. 22)
Complexo Industrial-militar, por Isac Jorge Filho*


CARA NOVA (pág. 25)
Nova Ser Médico


MÉDICOS NO MUNDO (pág. 26)
Ana Letícia Nery


GIRAMUNDO (pág. 30)
Medicina & Ciência


PONTO.COM (pág. 32)
Mundo digital & Tecnologia científica


HISTÓRIA DA MEDICINA (pág.34)
Das Misturas e Poderes das Drogas Simples


LIVRO DE CABECEIRA (pág. 37)
Antonio Pereira Filho*


CULTURA (pág. 38)
Histórias de vidas anônimas


TURISMO (pág. 42)
Turquia/Curdistão


CARTAS & NOTAS (pág. 47)
Espaço dos leitores


FOTOPOESIA (pág. 48)
Mensagem de Ano Novo


GALERIA DE FOTOS


Edição 73 - Outubro/Novembro/Dezembro de 2015

MÉDICOS NO MUNDO (pág. 26)

Ana Letícia Nery

 

“A ação humanitária me define como médica

Ana Letícia Nery participa de missões da Médicos Sem Fronteiras.
Já esteve em Uganda, na Etiópia e, no fechamento desta edição da Ser Médico, estava na Líbia


Ana Letícia, em uma das missões na África 
 

Ana Letícia Nery sempre teve contato com a Medicina. Filha de médico, desde criança conviveu com a rotina do consultório do pai, Tito Nery. E, assim, logo cedo começou a se apaixonar pelo exercício da profissão, levada, principalmente, pela proximidade com as pessoas que a Medicina propicia. No seu caso, as pessoas que mais precisam e que se encontram em situações limítrofes. Mesmo que isso signifique ficar bem longe do Brasil, participando de ações humanitárias pela organização Médicos Sem Fronteiras (MSF), como fez na Etiópia e estava fazendo, no fechamento desta edição da Ser Médico, na Líbia. “É o que eu quero fazer na minha vida”, assegura.

A opção pela Medicina generalista já havia se manifestado quando Ana Letícia formou-se pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Fmusp), em 2013. Ao contrário de muitos colegas, ela não buscou de imediato fazer a Residência. Preferiu atuar fora dos grandes centros urbanos, com menor disponibilidade de médicos.

“Na faculdade, eu gostava de saúde pública, da Medicina voltada para as pessoas sem acesso à saúde. Não que não ajudasse pessoas no Hospital das Clínicas da USP, mas, lá, tem milhares de médicos, enquanto existem lugares que não têm nenhum”, diz. E assim foi. Ana Letícia começou sua carreira profissional como médica do Hospital Municipal M’Boi Mirim, na região do Jardim Ângela, uma das mais carentes da capital paulista.

A jovem médica passou também uma temporada no sertão da Paraíba e três meses em Uganda, no continente africano. “Queria experiências de trabalho, fazer coisas diferentes antes da Residência”, explica. Foi natural, assim, o ingresso na MSF, organização não governamental que leva ajuda médica de emergência a vítimas de conflitos armados, epidemias, desastres naturais e exclusão do acesso à saúde, em todo o mundo.

Em sua primeira missão, Ana Letícia trabalhou durante oito meses no acampamento de refugiados de Leitchuor, na fronteira entre a Etiópia e o Sudão do Sul. Este último enfrenta uma intensa guerra civil, que provoca a fuga de milhares de pessoas para o território etíope, em busca de ajuda. O acampamento reúne 70 mil sudaneses.

Durante sua estadia, atendeu pacientes diretamente e também coordenou o treinamento de paramédicos. “O objetivo era capacitar as pessoas que moram lá”, explica. Em sua equipe, havia outros dois médicos estrangeiros.

Os pacientes mais graves eram enviados diretamente para a equipe médica. “O mais difícil era lidar com os desnutridos. No Brasil, eu nunca tinha visto casos como aqueles”, declara. “Por mais que existam problemas graves e bolsões de pobreza em nosso País, graças ao desenvolvimento econômico dos últimos anos não há situação parecida com a dos refugiados”, afirma. A taxa de mortalidade infantil oscilava entre 15% e 17%. A maioria das crianças atendidas era menor de cinco anos.

A possibilidade de estar em um contexto geo¬gráfico e social em que o significado de ser médico é mais perceptível, foi o que levou Ana Letícia a participar das missões humanitárias. “Antes de ir, as pessoas talvez pensem que vão mudar o mundo, mas o que fazemos é muito pequeno perto do que é preciso. Contudo, para aquelas pessoas não é pequeno, sua importância é gigantesca. Lá você é, literalmente, a única pessoa disponível”, resume.

No início, os pais da médica ficaram bastante preocupados com os riscos desse tipo de trabalho. Porém, o fato de também serem médicos fez com que entendessem o desejo dela. “Meus pais também se dedicaram à saúde pública e ficam orgulhosos do meu trabalho”, alegra-se.

Próxima missão
Enquanto conversava com a equipe da Ser Médico, Ana Letícia estava às vésperas de viajar para uma nova missão humanitária pela MSF, na Líbia. “Dessa vez eu não vou para coordenar o trabalho médico, então estou pensando no tipo de doença que vamos encontrar”, diz. “Creio que encontraremos mais doenças cardiovasculares ou diabetes. É como no caso dos refugiados sírios, que morrem mais de infarto, resultado de diabetes mal tratadas, porque os remédios foram destruídos”, explica.

Ver o resultado e o significado de seu trabalho é o que faz Ana Letícia continuar participando de missões humanitárias. Ela lembra que, muitas vezes, escuta colegas e estudantes de Medicina questionando sobre o que os levaram a escolher a profissão. No seu caso, garante, a MSF apresentou-lhe novas possibilidades. “Mostrou-me o que me define como médica, a ação humanitária”, conclui.
 


Histórias de Leitchuor

Depoimento de Ana Letícia, publicado no site da MSF

 

Eu poderia contar sobre meus dias como médica em Leitchuor de muitas maneiras. Poderia falar da guerra no Sudão do Sul, que forçou milhares de pessoas a fugirem do país, da vastidão da planície onde as tendas brancas da ONU se espalham até onde a vista alcança, ou sobre o hospital da MSF, onde moro e trabalho todos os dias e, por vezes, por longas noites. Mas quero contar as histórias que se acumulam em minha cabeça e em meu coração, e que parecem ocupar todos meus pensamentos.

Histórias como a de Chuol, um menininho de oito anos trazido por desnutrição severa e leishmaniose visceral, uma doença muito grave. Chuol chegou muito debilitado e, mesmo com o tratamento, foi ficando cada vez mais fraco. Finalmente, ele faleceu e eu fui contar a sua mãe o que havia acontecido. Ela segurou minha mão com força enquanto chorava devagarinho. Ela me disse que havia escapado da guerra no Sudão do Sul com os filhos, sob chuva de balas. (...) A certeza da cura do Chuol era o que lhe dava forças para a longa caminhada. “E, agora que meu filho morreu, o que resta para mim?”, me perguntou.

Ou a história do Jimir, de nove anos, trazido com sua irmã com queimaduras graves. Em uma noite fria, a família do menino resolveu fazer uma pequena fogueira para se aquecer. Uma das brasas voou com o vento e incendiou a tenda de plástico onde eles viviam. Alguns dos irmãos conseguiram escapar, mas Jimir e sua irmã mais velha ficaram presos. Passei a madrugada toda cuidando deles e tentando estabilizá-los para mandá-los de manhã cedo para o hospital da cidade (a 4 horas daqui). Enquanto eu tratava dos pacientes, o irmãozinho caçula da família, de uns cinco anos (o único que não sofreu queimaduras) chorava sozinho, sem fazer quase nenhum barulho, sentado em um banquinho, olhando os irmãos mais velhos, queimados. Eu mal conseguia me concentrar no trabalho enorme que tinha pela frente, com os pacientes, ouvindo aquele som baixinho, difícil de distinguir do silêncio, de uma tristeza que não podia ser falada, apenas sentida.

(...) Seria fácil questionar por que estamos aqui ou qual a recompensa de trabalhar com tantas tragédias e histórias tristes. A verdade é que o trabalho humanitário é muito mais do que eficiência médica. É criar um espaço humano em situações desumanas – os campos de refugiados, a guerra, a doença, a dor. É aliviar o sofrer e, em especial, o sofrer sozinho. É a recusa em aceitar o ataque à dignidade humana como natural – e o repúdio às causas políticas e sociais que perpetuam o desrespeito à vida. A criança que chorava num banco não tinha voz para contar sua história. Mas nós, da equipe médica, podemos recontar e dar vida ao seu sofrimento, para que ele tenha significado para aqueles que não estão em Leitchuor. Ser médica em MSF é também dar voz às histórias escondidas daqueles que não têm como falar.

(Confira o depoimento completo em http://www.msf.org.br/diarios-de-bordo/historias-de-leitchuor-na-etiopia)

 



“Até a guerra tem regras”

 

Uma unidade de trauma da MSF foi bombardeada pela força aérea norte-americana, no Afeganistão, no dia 3 de outubro último, matando 24 pessoas, entre médicos, enfermeiros e pacientes. Apesar de o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ter pedido desculpas à organização, até o fechamento desta edição o ataque não tinha sido esclarecido. Uma Comissão Internacional Humanitária para Apuração dos Fatos foi ativada, mas ainda aguardava o consentimento dos governos dos EUA e do Afeganistão para iniciar a investigação. “Precisamos entender o que aconteceu e por quê”, exigiu a médica Joanne Liu, presidente internacional da MSF. Confira a seguir o pronunciamento de Liu, em nome da organização humanitária, logo após o ataque.

“Durante quatro anos, o centro de trauma da organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) em Kunduz foi a única instalação desse tipo no nordeste do Afeganistão, oferecendo cuidados médicos e cirúrgicos essenciais. No sábado, 3 de outubro, isso acabou quando o hospital foi bombardeado deliberadamente. Doze profissionais de MSF e 10 pacientes (N.R. posteriormente, mais duas pessoas, dentre os feridos, morreram), incluindo três crianças, foram mortos, e 37 pessoas ficaram feridas, incluindo 19 membros da equipe de MSF. O ataque foi inaceitável.

Todo o movimento de MSF está em choque, e nossos pensamentos estão com as famílias e os amigos das pessoas afetadas. Nada justifica a violência contra pacientes, profissionais médicos e instalações de saúde. Sob as diretrizes do Direito Internacional Humanitário, hospitais em zonas de conflito são espaços protegidos. Até que se prove o contrário, os eventos do último sábado representam uma violação imperdoável desse direito. Estamos trabalhando sob a presunção de um crime de guerra.

Na semana passada, na medida em que confrontos tomavam a cidade, 400 pacientes foram tratados no hospital. Desde sua inauguração em 2011, dezenas de milhares de civis e combatentes feridos de todos os lados do conflito foram triados e tratados por MSF. (...)

Esse ataque não diz respeito só à MSF, mas afeta o trabalho humanitário em todos os lugares, e abala fundamentalmente os princípios da ação humanitária. Precisamos de respostas, não apenas para nós, mas para todos os profissionais médicos e humanitários que prestam assistência a vítimas de conflitos, em qualquer lugar do mundo. A preservação de instalações de saúde como espaços neutros e protegidos depende do resultado de uma investigação independente e transparente.”


(Acesse o discurso, na íntegra, em http://www.msf.org.br/noticias/msf-ate-guerra-tem-regras)

 

Colaborou: Rodrigo Carani

 

 


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